Quem somos nós?

Quatro artistas interferindo em um mesmo suporte criam juntas uma poética coletiva. O grupo percebeu que há questões que vão além do ato de pintar juntas, pois o criar coletivamente é o resultado de conversas, encontros, vivências, onde o questionamento das individualidades, dos gestos, dos gostos, possibilitam a descoberta que Superfície é o acolhimento de todas as ações.

A construção de um trabalho é sinalizada pela primeira ação que pode ser uma mancha, um desenho, uma pincelada, um carimbo, um escorrer ou uma linha. A ação inicial rege as próximas que vão interagindo entre si, proporcionando uma liberdade que é dada pela integração dos gestos, gestos que são guiados pelo olhar atento de cada integrante que vê no espaço compartilhado a oportunidade de integrar o que é seu, com o que é da outra e com o que é do grupo, já não é mais a ação individual ela entrega-se ao espaço, numa ação de desprendimento e partilha.

quarta-feira, 14 de setembro de 2016



Da superfície ao horizonte: visualidades em trânsito”,

A mostra reuniu trabalhos de artistas que integram um grupo constituído, na sua origem, pela busca da experiência coletiva. Nela o trabalho é o lugar de trocas, da soma, do diálogo, do avanço e do recuo, movimentos para encontrar à medida que possa revelar um corpo pictórico encarnado na espessura reduzida.  Trama de camadas para gerar visualidades onde pulsam muitos fazeres. São fazeres que remetem para visualidades pontuais da história da pintura onde ações de manchar, escorrer, decalcar, gotejar, contornar, respingar, tonalizar impregnadas de acaso revelam estados variados da matéria.

A produção daquele estágio se pauta por processo de interação de muitas mãos que agem e reagem sob olhares que se movem entre o que se dá a ver e o que aponta para novas possibilidades. As ações se desenvolvem se elegem na busca desse corpo que progressivamente alcança novos níveis de densidade, agrega vontades, traduz a competência de cada um. Os integrantes atuais do grupo vieram da pintura, mas se movem pelo desenho, encontram ecos da pintura na visualidade da natureza, nas manchas que expandem por passagens suaves que habitam a superfície configurada por quase mapas. Olham para a natureza, observam a decadência da arquitetura. Descobrem encanto no material do desenho usado pelas crianças que liquefeito despenca em gotas que de distâncias controladas explodem no impacto com a superfície sob a ação da gravidade. A grade nervosa dos escorridos passeia pela superfície da trama da tela deixando rastros cheios de tempo que se alternam por vazados e se conduzem pela ação da gravidade dando ritmo ao olhar.

A pintura pensada como resultado de um diálogo de várias vozes é, na velha superfície do quadro, o lugar para mais um desafio. Orquestrar vontades, ajustar visualidades. As implicações dessas escolhas podem ser aquilatadas se considerarmos que o processo solitário de um artista diante da tela em branco é sempre desafiador: Tudo é possível, tudo está porvir! No coletivo essas possibilidades crescem e se colocam num intrincado processo de propor, acolher, dialogar, fazer por partes, acrescentar, retroceder, avançar, observar, ceder – tecer. Pintar é aqui é tramar.

A pintura como trama é um corpo sob a pele da aparência/transparência cujo tônus se revela por camadas de topografias irregulares; ora mais ora menos visíveis. Efeitos de percurso que não obedecem a uma organização regular e previsível. Tecedura complexa de amarração para adensar o corpo, sem, entretanto opacificar a carne da pintura, corpo exposto. A trama é densa, mas a visibilidade pode ser recuperada a cada movimento do olhar. Espessura rasa – paradoxo necessário para um corpo que resiste a abandonar a superfície. Não a conquista de fato, mas também não a perde de vista.

A aparência do resultado é uma espécie de armadilha. Às vezes nos dá a pista das múltiplas direções que os diversos olhares contribuíram para constituir, mas logo em seguida volta a nos colocar num labirinto que incita à dúvida, mas recomeçar é impossível. Mover-se é a opção. Ir em frente.

Curadoria: José Luiz Pellegrin

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